domingo, 21 de julho de 2013

Mário? Que Mário?

Eu tinha três anos quando me mudei para casa onde moro hoje. A poucos metros tem uma praça e desde aquela época um monte de criança morava lá. Dentre as crianças moradoras tinha o Mário.
Dizem que o Mário chegou na praça com 6 anos de idade. Ninguém sabe como nem o porquê foi pra lá. Mário, assim como os outros meninos da praça, cheirava cola de sapateiro pra não sentir fome, sede, frio e, quem sabe, saudades.

Minha mãe dizia a mim e ao meu irmão que deveríamos cumprimentar todas as crianças da praça. 1º elas eram crianças como nós e precisavam ser tratadas como tais; 2º era quase uma lei da sobrevivência: fale com eles e eles te defenderão. Na loja de papelaria e presentes que ela mantinha tínhamos uma vida quase igual a deles: eles iam para lá beber a nossa água, comer o nosso lanche e ganhar brinquedos, de vez em quando e quando mereciam (como nós).
O Mário era diferente. Por anos minha mãe tentou convencê-lo de ser nosso irmão legitimo, morar na nossa casa, estudar na nossa escola e ter as mesmas roupas que o meu irmão. Mas o Mário não aceitou.
Ninguém entendia os motivos. Mário era amado como filho/irmão e ele retribuía o afeto, mas não queria sair do asfalto. Mário sentiu medo do preconceito, não o da família que o queria, mas dos outros.

Meses atrás entrei no ônibus para ir para o trabalho. Esbaforida, sentei no primeiro banco e nem observei quem me observava. As pessoas olhavam estranho pro cara que fez: Psiiiiiiiu, Maaaaaaaari!
Gritei quase como uma reação instantânea: Mário!  Quanto tempo!!
O olhar preconceituoso que fixava no meu quase irmão virou também pra mim. Era como se eu lesse o pensamento das pessoas que gritava: “Nossa, deve ser drogada”. “Falar com um cara assim?” “Credo o que deu nela?!”
Mário e eu sentimos vergonha pelo preconceito alheio. A vergonha foi tanta que só deu para trocarmos as frases básicas: “Como você tá?” “Bem e você?” “Nunca mais vi teu irmão, ele tá morando contigo ainda?” “Não... Tu tá lá no Dom Pedro ainda?” “Sim. Indo pra casa do meu pai no interior por uns dias”
Ficamos com vergonha dos outros.

Semana passada o reencontrei na praça. No nosso lanche favorito. Sentado numa mesa meio distante. Cheguei, sentei, conversei um pouco. Mário queria saber quem era esse meu “novo” namorado e se ele me tratava bem. Tinha ouvido minha mãe falar. Pedi pra ele vir aqui em casa, almoçar com a gente qualquer dia. Mário disse que vinha, mas eu sei que não vem. O preconceito e a vergonha por isso não deixou e nunca deixará ele vir.

Mário foi condenado sem querer. E nós fomos penalizados com menos um irmão e a tal sociedade com menos um Mário.

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