domingo, 29 de janeiro de 2012

A culpa

Não me recordo como foi que eu me apaixonei por literatura. Talvez tenha sido, assim como outras coisas, olhando a minha mãe ler de madrugada aqueles romances, com a cabeça no pé da cama e o pé no travesseiro. Além disso, eu adorava aquilo que trazia o fim da ansiedade: a chegada de muitos livros pelos correios.
Lembro que aprendi a ler na marra. De tanto pedir e pedir e querer deitar pra ler da mesma forma, viramos assinante da Turma da Mônica. Minha casa tinha duas mulheres ansiosas por seus livros que vem pelos correios, cada um com o que podia.
Perdi as contas quantas horas passei nas livrarias, perdida. Amigas chateadas, namorados com raiva... Até encontrar o Caio, e ele se distrair na parte de filmes, ir a algum lugar pra comprar ou só pra ver livros era um desespero. Uma vontade de ficar mais tempo do que podia, ou passar o tempo necessário, mas pensando no que eu faria para melhorar aqueles rostos depois.

Compro o livro pela capa. Pela última linha. Pela cor das páginas. Mas só sei que me apaixono pelo livro quando leio a primeira frase e só me dou conta quando li todo o primeiro, segundo, terceiro capítulo.
Não consigo comer. Não consigo dormir. Tudo fica em segundo plano, o tempo não passa, não é preciso respirar. Não é preciso viver nada além daquilo que está sendo vivido.

Fazia tempo que eu não me apaixonava. Quando fui ao Rio, na última vez, na procura de um presente ideal pro Rafa em que ele ficasse louco e ao mesmo tempo aprendesse a ler e deitasse na cama da mesma forma que a nossa árvore genealógica, encontrei o livro mais bobo e apaixonante do universo: O Pequeno Nicolau.
Eu já havia assistido o filme e tinha me apaixonado. Eu tenho uma péssima queda por filmes (e muitas outras coisas) em francês e tinha achado muita graça. Li três contos do Pequeno Nicolau enquanto o Caio escolhia seus livros de cinema. Comprei pro Rafa, fiz uma dedicatória, mas nunca entreguei.O Nicolau era meu e eu precisava dele depois de todos aqueles livros de teoria do jornalismo que tinha lido.
Li dois livros da série na praia. Como se não tivesse o amanhã.

Voltei a Manaus decidida que iria retornar aos meus livros teóricos, ou a livros bobinhos em inglês. Até comprei uns, mas nenhuma paixão.
Uma tarde qualquer, meu chefe chegou a redação com um livro de memórias sobre MPB, do Nelson Motta. Pedi emprestado pra tirar xerox pra um trabalho sobre Tropicalismo na faculdade. Ele me entregou com uma dedicatória e o livro virou meu.
Só Deus sabe o quanto eu tenho brigado com o Nelson. A minha vontade de renegar o livro e dizer: "ok, agora vou estudar, me larga!". Nelson é obediente, eu que não sou, e semanas pós-semanas eu volto a ele e imploro que o mundo pare para que eu consiga ler tudo.
Estou extremamente apaixonada e morrendo de ciúmes, mas nem tô ligando pra isso.


(O culpado)

(A culpa)

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